Estudo de Dentes de Dinossauros Revela Dieta e Comportamento de há 150 Milhões de Anos

Press Release: Uma equipa de investigadores reconstruiu o comportamento alimentar dos dinossauros saurópodes utilizando análises de ponta do desgaste dentário. As suas descobertas, publicadas na Nature Ecology and Evolution, revelam que as marcas microscópicas de desgaste no esmalte fornecem insights surpreendentes sobre a migração, as condições ambientais e a distribuição de nichos dentro dos ecossistemas de há 150 milhões de anos.

O que comiam os dinossauros de pescoço comprido e onde vagueavam para saciar a fome? Como viviam os dinossauros gigantes durante o período Jurássico? Como partilhavam os seus habitats e talvez migrassem sazonalmente?

Estas questões foram exploradas por uma equipa internacional de investigadores liderada por Daniela E. Winkler, investigadora de pós-doutoramento na Universidade de Kiel; por Emanuel Tschopp, cientista visitante do Leibniz Institute for the Analysis of Biodiversity Change (LIB) de Hamburgo e investigador associado da Freie Universität Berlin, e por André Saleiro, estudante de doutoramento na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa | NOVA FCT e investigador do Museu da Lourinhã. O seu novo estudo emprega um método invulgar: usar marcas de desgaste em dentes fossilizados como janela para o passado.

“Ainda acho fascinante que os arranhões microscópicos em dentes fósseis nos possam dizer tanto sobre a dieta e até sobre o comportamento”, diz Winkler, especialista na metodologia aplicada. A técnica, conhecida como Análise de Textura de Microdesgaste Dentário (DMTA), foi originalmente desenvolvida por um grupo de investigação liderado pelo cientista do LIB, Professor Thomas Kaiser, para o estudo de mamíferos.

O estudo atual, publicado na Nature Ecology and Evolution, marca a primeira aplicação sistemática do método em saurópodes. As análises foram realizadas nos laboratórios do LIB.

Esmalte dentário como arquivo ambiental

A equipa analisou 322 digitalizações 3D de alta resolução de superfícies de dentes de três formações geológicas famosas pelos seus fósseis de dinossauros: a Formação da Lourinhã, em Portugal, a Formação de Morrison, nos EUA e a Formação de Tendaguru, na Tanzânia. Todos os dentes eram provenientes de um total de 39 indivíduos. As amostras foram retiradas diretamente dos dentes originais ou de moldes de silicone de alta resolução. “Estamos a falar de estruturas à escala micrométrica”, explica Winkler. “Estas pequenas marcas de desgaste resultam da interação entre o dente e o alimento – revelam o que os animais comeram nos últimos dias ou semanas de vida”.

Diferenças surpreendentes entre espécies e regiões

As análises estatísticas revelaram diferenças claras entre os vários grupos de saurópodes e as suas localidades ou regiões geográficas. Particularmente impressionante foi a elevada variabilidade nos padrões de desgaste entre os flagellicaudatans – um grupo de saurópodes de cauda longa que inclui o conhecido Diplodocus. Esta heterogeneidade sugere que estes animais tinham acesso a uma variedade de fontes de alimento e exibiam um comportamento alimentar generalista.

Uma surpresa particular foi que os exemplares de Camarasaurus, tanto de Portugal como dos EUA, apresentaram padrões de desgaste altamente uniformes. É improvável que esta consistência no microdesgaste seja explicada apenas pela disponibilidade uniforme de plantas. Em vez disso, indica que estes dinossauros procuravam deliberadamente as mesmas fontes de alimento preferenciais ao longo do ano. “O clima da época, tanto em Portugal como nos EUA, era altamente sazonal, pelo que certas plantas provavelmente não estavam disponíveis durante todo o ano”, explica Emanuel Tschopp. “A consistência no desgaste dentário dos Camarasaurus sugere que podem ter migrado sazonalmente para aceder aos mesmos recursos”.

A situação foi diferente com os titanosauriformes da Tanzânia, cujos dentes apresentaram um desgaste significativamente mais intenso e complexo. Os investigadores interpretam isto como o resultado de condições ambientais específicas: a Formação de Tendaguru apresentava climas tropicais a semiáridos e, nas proximidades, existia uma grande cintura desértica, de onde provavelmente era soprada frequentemente areia de quartzo sobre as plantas que estes saurópodes comiam. Esta dieta contaminada com areia provavelmente causou os padrões de desgaste altamente abrasivos observados nos dentes.

O clima, e não a variedade de plantas, como fator-chave

Também se verificaram diferenças claras entre as próprias regiões: os dentes da Tanzânia foram consistentemente mais desgastados do que os de Portugal ou dos EUA. O fator de influência crucial foi o clima.

“Um dos aspetos mais interessantes deste trabalho é que conseguimos relacionar as diferenças nos padrões de desgaste dentário com a paleogeografia e as preferências de habitat de diferentes faunas de saurópodes”, conclui o investigador da NOVA FCT, André Saleiro. Estas descobertas também orientam a sua investigação futura: “O estudo mostrou-me como abordar o meu trabalho em curso sobre a partição de nichos em dinossauros herbívoros – focando-se em paleoambientes específicos para compreender melhor as relações ecológicas dentro dos grupos de espécies e como essas diferenças evoluíram entre os diversos ecossistemas”.

Para Emanuel Tschopp, este é também um dos elementos mais interessantes da investigação: “Com estes vestígios microscópicos, podemos, de repente, fazer afirmações comportamentais sobre estes enormes animais extintos. Migração, especialização, utilização de nichos – tudo se torna tangível.”

Outro aspeto notável: os padrões de desgaste diferiam consoante a zona do dente – na lateral (vestibular) ou na superfície mastigatória (oclusal). Estas diferenças foram consideradas na análise para evitar distorções.

Relevância para a investigação em biodiversidade

Este estudo não só fornece novos conhecimentos sobre a vida de espécies individuais de dinossauros, como também contribui para uma compreensão mais ampla das relações paleoecológicas. A partição de nicho, as adaptações climáticas e o potencial de competição podem, portanto, ser identificadas mesmo em ecossistemas fossilizados.

"Demonstrámos que princípios ecológicos como a formação de nichos e o comportamento migratório eram importantes não só hoje, mas já há 150 milhões de anos", diz Winkler. Tschopp acrescenta: "Os saurópodes da Formação Morrison apresentam uma enorme diversidade de espécies – e esta diversidade só foi possível porque as espécies se comportavam de forma diferente e ocupavam nichos alimentares diferentes."

Olhando para o futuro: mais dentes, mais conhecimento

A investigação está longe de terminar. Estudos futuros visam explorar se os saurópodes juvenis e adultos diferiam nas suas dietas, ou como espécies anãs como o Europasaurus da Baixa Saxónia se adaptaram ao seu ambiente insular específico. O português André Saleiro já está a trabalhar num conjunto de dados alargado para a fauna portuguesa, incluindo outros dinossauros herbívoros.

"O que me entusiasma é que podemos continuar a melhorar este método – e cada nova amostra acrescenta mais uma peça ao puzzle", diz Winkler. "As nossas ferramentas estão a melhorar – assim como a nossa compreensão de como era realmente a vida naquela época." Tschopp concorda: "Ainda estamos no início com este método – mas a combinação de paleontologia, tecnologia moderna e colaboração interdisciplinar permite-nos obter insights fascinantes sobre mundos antigos."

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