Lançado em 2005 sob a direcção de Robert Schwentke, Flightplan (título português: Plano de Voo) apresenta-se como um thriller psicológico ambientado quase exclusivamente no interior de uma aeronave. Protagonizado por Jodie Foster, o filme articula o drama íntimo de uma mulher em luto com um enredo de desaparecimento e suspeita, em que a verdade parece constantemente escorregar entre os dedos da protagonista — e do espectador.
A história acompanha Kyle Pratt, engenheira aeronáutica, que se encontra a regressar aos Estados Unidos com o corpo do marido falecido e a filha pequena, Julia. Durante o voo, Kyle adormece por breves instantes e, ao despertar, apercebe-se de que a criança desapareceu. Rapidamente, a situação transforma-se num pesadelo: nenhum passageiro ou membro da tripulação confirma ter visto a menina a bordo, e os registos da companhia aérea não indicam a sua presença no voo. Este cenário levanta a questão central do filme — será Kyle uma mãe desesperada à procura da filha, ou estará a sofrer um colapso psicológico, incapaz de distinguir a realidade da ilusão?
O ponto forte de Flightplan reside precisamente nessa ambiguidade. O filme constrói, com eficácia, um ambiente de claustrofobia e incerteza, sustentado por uma mise-en-scène austera e fria, que reflecte o estado emocional da protagonista. A arquitectura moderna e funcional da aeronave actua como uma prisão suspensa no ar, onde a racionalidade técnica colide com a irracionalidade da dor. Neste espaço fechado e regulamentado, o instinto maternal de Kyle torna-se desconfortável, subversivo, e gradualmente desacreditado.
A interpretação de Jodie Foster é, sem dúvida, o eixo em torno do qual gravita toda a narrativa. A actriz oferece uma performance contida mas intensa, evitando o histerismo fácil e conferindo profundidade a uma personagem que oscila entre a vulnerabilidade e a determinação. Foster traduz com precisão o conflito interno de Kyle: uma mulher habituada a operar dentro da lógica e da engenharia, agora forçada a enfrentar um contexto em que essas ferramentas parecem inúteis perante o silêncio e a indiferença institucional.
Para além da tensão dramática imediata, Flightplan evoca questões mais amplas, nomeadamente o modo como a autoridade feminina é frequentemente posta em causa em contextos técnicos e hierárquicos. O facto de Kyle ser engenheira, e conhecer de forma íntima a estrutura do avião, é simultaneamente a sua maior arma e a origem da sua descredibilização: a mulher que sabe demais é, aqui, lida como potencialmente perigosa. Adicionalmente, o filme inscreve-se no imaginário pós-11 de Setembro, apresentando cenas que reflectem uma atmosfera de suspeita e xenofobia latente, explorando — de forma algo simplista — a figura do "outro" como ameaça.
Contudo, o argumento sofre de um certo desequilíbrio estrutural. A tensão construída de forma subtil nos primeiros dois actos cede, no desenlace, a uma solução mais convencional e previsível. A revelação final, embora coerente do ponto de vista narrativo, retira densidade à proposta inicial, transformando o que parecia ser uma análise psicológica da dor e da percepção num thriller de conspiração relativamente genérico. As motivações dos antagonistas carecem de complexidade e tornam-se meramente funcionais, o que empobrece a experiência dramática.
Ainda assim, Flightplan permanece como um exemplo eficaz de cinema de tensão psicológica, sobretudo pela forma como coloca o espectador na posição da protagonista — isolado, desacreditado, e em luta contra uma lógica institucional implacável. O filme não é tanto sobre um desaparecimento, mas sobre a negação da realidade de uma mulher, e o seu esforço para reafirmar o que sente como verdade inquestionável.
No fundo, Flightplan fala-nos da dificuldade em fazer-se ouvir quando o sistema escolhe não escutar, e da violência que se impõe quando o delírio é atribuído à dor. É uma obra que, apesar das suas limitações narrativas, lança um olhar perturbador sobre os mecanismos de exclusão e descredibilização, num espaço onde a verdade parece estar sempre fora de alcance — como se, a certa altitude, a própria razão se tornasse turbulenta.
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